Criar é como cozinhar. Os ingredientes sempre estiveram disponíveis . Basta combiná-los de maneira diferente.Ninguém é original. E quem se acha original padece de uma umbilical presunção rapidamente afastada pelos dados objectivos do real.
Verdadeiramente original foi Deus para as religiões e energias para as ciências. Deus é um atleta.Criativos somos todos. Originais só os deuses atletas.
Quando alguém pensa que é original esquece que existem mais seis biliões de seres fisiologicamente e anatomicamente iguais a ele.
E as almas imitam-se? Não. Transmutam-se entre o ser e a razão, o ter consciência de si e ter o sentimento do outro.Se o quotidiano é fisiologicamente monótono por sua vez o essencial é intemporal e fora do espaço.
Criar é recriar. Criar não vem do nada. Algo existe: No mundo das ideias e das experiências. João Lobo Antunes num trabalho notável sobre José Cardoso Pires relata a questão da escrita branca no ensaio “ De profundis, valsa lenta”.
E tudo que existe é susceptível de recriação? Ou terá que existir uma supra-identidade que fará a aferição do que é recriável e do que não é recriável?
Toda a realidade , que tem uma insofismável vertente irracional expressa na violência, é susceptível de ser abordada.
As formas de arte contemporânea através das suas vertentes expressivas visam a catarse de um mundo , em que a violência não sendo compreendida ,é aceite e quando muita tentada a ser explicada ou pelo menos demonstrada.
A este propósito Hitchcock dizia que o cinema é como um pedaço de bolo. Uma metáfora que resume o que é o cinema: Fazendo parte da vida pode ser facilmente autonomizável. Também Hitchcock gostava de culinária na vertente das sobremesas.
Todas as formas de arte não existem para nos servir. Tal como a realidade não conspira para sermos plenamente felizes. Se assim fosse existiria um directório , à boa maneira de Aldous Huxley, que nos imponha uma ideia de arte e de vida. As sociedades consumistas oferecem esse catálogo. Só escolhemos o que nos agrada, porque lidar com o desagradável torna-nos inseguros.
Ou seja, não é a realidade e a criação que tem de se adaptar a nós. Somos nós que temos de recriar a realidade. A isso chama-se o nascimento de uma obra de arte.
A angústia do artista, que é um recriador , é estar sempre em confronto com a realidade: ou se atrasa ou avança sobre ela. Nestes casos, não suportando a mesma aliena-se nos mundos virtuais . Se realmente a aceita e a acompanha, transforma-a.
Contrariando Óscar Wilde, a arte pode ser perfeitamente útil.Do nascimento da estética , a ética será sempre a baby -sister.